Amiga,
Mais uma vez me perdi do sono após ligar o ar
e ficar esperando o clima esquentar dentro de mim
na lembrança das fotos que tirei e que perdi.
Já é março e daqui a pouco é o seu aniversário 
não posso nem comprar nada, mas, sei que és acostumada 
a passar esta data, querida, recebendo presentes inúteis 
de face a não face, coisas que qualquer sorriso compraria 
se existisse.
Finalmente o mar pôde me abraçar e 
enquanto passeava pela areia que esfoliava 
meus pés grotescos, a maresia corroía os meus cabelos 
e a amargura de sentir-se só. 
As pessoas riam do meu andar desajeitado, confesso que 
senti-me a cada riso, cada vez mais linda e avermelhada 
como o arrebol, você precisava ver as marcas das minhas feridas. 
Nenhum garoto conseguiu me beijar, perdi a conta de quantos 
não distribuí sozinha pelos passeios na pracinha verde, 
tenho muitos guardados na bolsa que perdi. 
Ouvi muitos discos e uísque enquanto as narrativas abraçavam-me 
os ouvidos. 
Prestes a lançar o livro estou nervosa e bêbada. 
Fui assaltada e estou sem contato físico, preciso pegar umas aulas
para pagar esse meu faz de contas, mandei um currículo em branco 
e a meses espero uma ligação que sei que agora não virá. 
Tive pesadelos místicos e preciso ficar cada vez mais só. 
Olha um fragmento do livro que estou a ler no quarto do hostel 
de um casal de amigos, hospedada com a minha graça. rs 
Lembrei imediatamente de você;
"De agora em diante eu poderia chamar qualquer coisa 
pelo nome que eu inventasse: no quarto seco se podia, pois 
qualquer nome serviria, já que nenhum serviria. 
Dentro dos sons secos de abóbada tudo podia ser chamado 
de qualquer coisa porque qualquer coisa se transmutaria 
na mesma mudez vibrante."
Quero que adivinhes de quem é e te mando livro completo, 
sei que amarias. Também te envio como brinde um setlist 
very special key em um frasquinho de lentes de contato.
Saudade do teu cheiro especial e de quando ficávamos loucas 
no quintal da caverna do dragão. 
Infelizmente você morreu e perdeu mais um carnaval 
com a Rita lee cantando Beatles e agente amando no final
da festa, I wanna hold your hand, bitch, hahaha; 
Escrevi um poema embriagado narrando mais ou menos a viagem,
e bebendo um milk shake, mandarei em anexo. 
Encerro esta carta ao som de get out of town na voz da Caetana,
quem nem a estraga tanto, mas, sei que você odeia. 
Amanhã pegamos estrada e você o quanto tenho medo de percursos,
bobagem, afinal de contas, Deus sempre me perdoa. 
Saudades.
anexo em poema: 
PERDI TODOS OS MEUS POEMAS
ATÉ OS QUE NÃO ESCREVI 
TIVE PESADELOS DE INFÂNCIA 
INCLUSIVE A QUE NÃO VIVI 
PERDI TODAS AS MINHAS FOTOS
E TAMBÉM OS MEUS AMIGOS 
ME PERDI ENTRE O BARULHO 
QUE ALGUNS NOMINAM MÚSICA 
ME PERDI QUANDO TE PERDI 
MAIS UMA VEZ PELOS CAMINHOS 
JÁ QUE NÃO ESTAIS NOS SONHOS 
VENHA-ME NOS PESADELOS 
AINDA BEM QUE AINDA LEMBRO
TEU ENDEREÇO ELETRÔNICO, MÃE
NO ENTANTO, ESTOU AQUI 
ME REDESENCONTREI 
ENQUANTO ME DISTRAÍ. 
tp