sexta-feira, 31 de outubro de 2014

memórias de gala

olhando as fitas de vídeo empoeiradas
e com cheiro de fitas de vídeo, percebo
que as coisas estão sem graça,
como uma vadia ri ou
quando você abre a caixa d'água
e ela está quase no fim.
cds arranhados não causam a mesma
euforia de limpa-los e paciência
para esperar o arranhão que não vem
ou piora
e as praças vazias não contém a violência
de quando eramos nobres nas praças vazias
violentas;
a casa está fechada
e na fachada os matos crescem
pela calçada, invadindo tudo.
as poucas fotografias narram
o que as lembranças agarram
do que não sobrou, mas
a fumaça dos cigarros
ainda causa efeito.


Pierre Tenório






DOCES OU TRAVESSURAS

irei me aproximar
de todas as suas faces
jurando não me assustar

por mais que não observe
ternura em nenhuma delas
renovarei meus disfarces

em cada personalidade
existe um foragido
a cavalgar da cidade
para lugares perdidos

mas, para que se inventar
sobre qualquer perfeição?
se o dom de viver é busca
por mil transfigurações.

Pierre Tenório





quinta-feira, 30 de outubro de 2014

EM NOME DO PÃO

Com todas as dúvidas implico em dizer mais uma vez;
de todas as putas que já amei ela foi a última
a tomar café da manhã.

não foi isso que me congelou ao frio do seu corpo
e sombra, certamente me viciei
na maneira como rasgou o verbo sobre minha pele
inebriada. penetrando os sentimentos todos da vida
como uma vacina
na parte mais rasa da alma indefesa.
a alma que dança cegamente
a alma que nunca cansa
aquela alma invisível que a gente
não imagina.
não resisti as lágrimas do corpo duro
que jorraram-lhe diretamente
aos olhos o raiar de um sorriso.


Puta que pariu, acabou o pão
e ela foi embora com fome
do nosso primeiro encontro.

Pierre Tenório



Por trás das grades
observo a paisagem
chover em câmera
lenta.
Sobre as lentes
dos olhos, os pingos
secam tão rapidamente:
que o teu eterno
em meu presente.

Pierre Tenório

domingo, 26 de outubro de 2014

COLHENDO FRUTAS PODRES

estalando os mesmos ossos
quase pude perceber
que a vida de tão rude
não irá nos esquecer

gentilmente leal
nunca ouviu-se igual

e já que a morte é tão falha
dar-se então mil gargalhadas

não ter significado
e transcender
entre os acasos

como ater conformidade
pra não mais sentir
vontade

de beber um suco fresco
com biscoitos de saudades.

Pierre Tenório


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

DESINTOXICAÇÃO

Com todos os poros abertos
contra gotas de sentimentos
o que agora se faz tão podre
e de tão mal odor tormento

dançando de alma despida
o corpo implora partida

não há nada que umedeça
as cicatrizes dessa sombra
por mais incrível que pareça

transbordando por entre os rastros
perfumes voltam aos seus frascos.

Pierre Tenório

terça-feira, 21 de outubro de 2014

QUEBRA-CABEÇA

As cenas nos digeriram
sem sequer saber, dirijo;
sem querer realizaram
os sonhos da nossa farsa

a cena nos mastigou
do íntimo ao figurino

as cenas nos encenaram
enquanto tanto fingíamos
aprender a ser quem somos

a cena é só mais uma
peça a ser perdida.

Pierre Tenório

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

esperei o sono chegar alguma hora
entre um bocejo e outro eu pensava em
algo para escrever com sono,
não creio que vá conseguir
convencer
ou ser delicado
não creio que meu raciocínio
me permita
sair do meu raciocínio principal
bocejo
que é dormir
fazia tempo que não via o corujão
em mute
mas, não preciso ver
o sol nascer.

estou com tosse e
escrevi um projeto de retranca
abaixo,
conversei com alguém legal
ouvi joão pernambuco,
parece que estou escrevendo
uma carta de despedida,
não costumo vomitar tanto;
mas, posso começar a relatar coisas
em rascunho
o ensaio não foi legal.

t,Pierre
APANHADOR DE PESADELOS

Afago-me ao travesseiro
relembrando pulso a pulso
inspiro nos rígidos músculos
teu corpo milagre terceiro

consagro lençóis de ausência
insônia, dor, auto-clemência

reverencio pesadelos
lamento não gozar escolha
meu exímio sonho é te-los

morrer em silente desejo
é adormecer sem um beijo.

Pierre Tenório

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CAMISA DE FORÇA

procurei durante algumas
semanas e
encontrei este poema
que escrevo em despedida;
nele posso passar alguns
dias de férias
algumas pílulas
também há flores
talvez flores
artificiais
e naturais misturadas,
algumas orações,
canções e
lembranças.

nele está a fazenda
cavalos e vacas e porcos
e lago.
em despedida a tristeza
escrevo sobre a vida
real
que vejo no brilho
do semblante dos manequins
das vitrines
em liquidação,
enquanto me despeço da cidade
sinto cheiro e as cores
da calmaria.
sorte no jogo

Pierre Tenório
ADIVINHAÇÃO:

não há de vir ações.

Pierre Tenório

domingo, 12 de outubro de 2014

VARAL

o elástico das cuecas está bem
folgado
sinto muito amarrar as calças
com fitas de cetim desfiadas
onde estão os corpos
onde está o nome santo
onde estão as interrogações
onde estou
no começo da ponte
recém-casada
buraco negro
na lama
iluminada
nadando
afogado.

sinto muitas contrações
mas, meu filho está
morto
se mexendo
dentro
da cabeça,
preciso vomitar
mais um pouco
de leite
no buraco
preto
onde vejo
além do menos.

Pierre Tenório

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

LENTES

ao invés de mover
montanhas

vive soterrada

por um grão de pedra
no lugar errado.

feche

a boca e abra

cadabra.



Pierre Tenório

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

PENITÊNCIA

Olhos:
o veneno
remédio;
o caminho
sorriso
ouvido
olfato,
labirinto.

A razão
dos pecados
está
por trás
dos teus
óculos
quebrados
degraus.

Ataque
sem defesas;
condena.

Pierre Tenório

domingo, 5 de outubro de 2014

vai
embora
da minha escola
que não ensina;

ebola.

vem
idiota
na minha cola
me contamina;

escolta.

USEM AS MÁSCARAS
SEM ESQUECER
DE REPASSAR

O APRENDER
QUANDO LEMBRAMOS
DE ESQUECER

todos.

Pierre Tenório

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O SILÊNCIO DE VIRGÍNIA

Virgínia saiu disposta
a trucidar seu amante,
despindo o doce semblante.

Das tripas fez um colar;
batom vermelho de sangue,
brincos de olhos, um par.

Com a pele fez um vestido,
quebrou dois ossos, os saltos,
seu sentimento ferino.

Queria se sentir linda
plenamente amada,
de ódio estava banhada.

O nariz tornou-se pingente
a rodopiar o pescoço
que a meses não sentia dentes.

Das panturrilhas fez travesseiros
com as orelhas um tapa olhos,
pra não enxergar terceiros.

Jogou fora o fígado alcoólatra
jogou fora os pés calçados
jogou fora os pensamentos;
cérebro despetalado.

O coração pôs num relicário
para o amor ficar para sempre
inteiramente intacto.

Costurou a boca em sua vagina
virginiana e para sempre
silenciada.

Pierre Tenório

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ESTATI(STI)CO

lembro-me como hoje da vez que tentaram me matar,
o que era para ser uma noite de sexo casual com algum
desconhecido,
tornou-se a noite mais importante da minha vida medíocre.
eu estava prestes a descobrir que objetos não tem sentimentos,
mas, transbordam emoções.
era incrível o ódio que ele me batia insistentemente, eu que só
queria ama-lo um pouco, como amo meu abajur;
não sentia dor alguma, nem esboçava qualquer tipo de reação,
nem mesmo quando minha roupa foi inteiramente rasgada,
asfixia barata, ou quando um cabo de vassoura foi introduzido
em meu orifício analítico e meu corpo serviu como tela para
uma obra defeca;
sofria pacificamente, como quem já perdeu a guerra.
apelei pra virgem maria em algum momento, não sei se ela interviu
mas, com certeza o pároco diria que eu estava pagando os meus
pecados.
prefiro acreditar que tenho poderes mágicos e que
o meu silêncio me salvou.
não, esta não é uma história de superação e
está longe de ser.
quando comecei a amar pessoas, descobri que não há muita
diferença entre elas e o agressor homofóbico,
(que fora assassinado meses depois)
ele foi perverso e verdadeiro em suas atitudes;
queria acabar comigo.
os (poucos) caras que amei até hoje depois do incidente
beijaram-me o corpo, escreveram poemas, me deram presentes,
fizeram acreditar que eu era realmente importante;
e acabaram comigo,
espancaram os meus sentimentos.
a noite mais importante da minha vida medíocre;
a noite em que me tornei objeto.

Pierre Tenório